A “bola”, como é comum designar-se o futebol, foi desde os anos quarenta do século passado o principal meio de entretenimento dos rapazes da Gralheira. A sua aparição nesta remota aldeia, apesar de chegar mais de cinco décadas depois da sua introdução em Portugal, pode dizer-se que, por estas paragens serranas, foi pioneira na prática deste desporto.
“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Da admiração inicial, Como denota um diálogo entre dois homens de Faifa:
- Olha lá!..Já ouviste falar naquela “cousa” que jogam na Gralheira…A que chamam bola?...
-Ouvi!... Correm atrás dela e dão-lhe pontapés…
- E também lhe arrimam de cabeça!..
À paixão exacerbada foi um processo extremamente célere.
Os da Gralheira, como precursores deste advento, evoluíram mais cedo que os demais e, por conseguinte, converteram-se na equipa dominante das redondezas. Desde os primórdios que se instituiu uma dinâmica de vitória, tanto nos praticantes como nos entusiastas adeptos. Aquando de um memorável jogo em Cetos, a freguesia esvaiu-se das suas gentes, uns a pé outros montados, só ficou quem não possuía capacidades ou meios para se deslocar ao local do encontro. Os visitados, influenciados pelos seus emigrantes brasileiros, reuniram uma equipa capaz de se bater com a da Gralheira e, segundo rezam as crónicas, para melhor levarem de vencida trataram de servir vinho, sem restrições, a todos os presentes. Os epicuristas não se fizeram rogados e, como raramente desfrutavam dos prazeres de Baco, deleitaram-se com abundantes libações que os deixaram meios ou completamente embriagados. Como se pode calcular o resultado foi desfavorável para os da Gralheira, pois pernas trôpegas e cabeça inebriada não deram para mais que uma derrota por cinco a um. Ainda assim, o desaire poderia ter sido maior se não tivessem convocado o “Grande de Felgueiras” que, sendo mais comedido na bebida e valendo-se da sua imponente estatura, impediu um resultado mais dilatado. O único tento dos visitantes foi obtido pelo “Necas”, que só se apercebeu do feito realizado quando se viu rodeado pelos companheiros, festejando efusivamente a marcação do golo.
Nos anos que se seguiram, a Gralheira manteve a hegemonia, de tal forma, que as suas vitórias deixaram de ser notícia. Quando perdia, então sim, era algo que dava brado e perdurava no tempo como uma efeméride que prestigiava quem a tinha alcançado. Ainda hoje, Antigos adversários recordam um resultado positivo ou um golo marcado, como momentos emblemáticos das suas amadoras carreiras.
Esta proeminência não é explicável apenas por critérios objectivos, fundamentados nas aptidões técnicas ou físicas dos seus jogadores. Embora alinhassem nas nossas fileiras elementos talentosos, como alguns jogadores sazonais filhos do êxodo rural, bem como outros fisicamente adestrados na rusticidade das lides do campo e sem os malefícios do fast-food, a verdadeira força deste grupo não residia no valor de cada indivíduo, mas no do companheiro que ombreava ao seu lado. A coesão na razão e no sentido comum, fortalecia o crer e a vontade que permitia levar de vencidos adversários formalmente mais aptos, mas que não possuíam a essência de uma mística colectiva.
Actualmente, o futebol bairrista está moribundo. É com tristeza nostálgica que denoto o abandono dos campos onde joguei. Cada um destes recintos devolve-me à memória uma panóplia de recordações inesquecíveis. A Gralheira já não é o que era, mas ainda permanece como ícone de um passado de acérrimos desafios, onde a técnica da força inflamava os ânimos da assistência que tanto exultava e aplaudia, como proferia impropérios e ameaças. A juventude tem outros interesses, proporcionados pela evolução económica e social das últimas décadas. Não está confinada ao espaço geográfico que ia pouco além da linha do horizonte. As múltiplas apelações desta nova realidade dispersam os objectivos e desagregam as vontades. A “bola”passou a ser um mero exercício lúdico, desapaixonado e sem alma, irreflexo da raça que concerne a identidade dos povos de Montemuro.
“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Da admiração inicial, Como denota um diálogo entre dois homens de Faifa:
- Olha lá!..Já ouviste falar naquela “cousa” que jogam na Gralheira…A que chamam bola?...
-Ouvi!... Correm atrás dela e dão-lhe pontapés…
- E também lhe arrimam de cabeça!..
À paixão exacerbada foi um processo extremamente célere.
Os da Gralheira, como precursores deste advento, evoluíram mais cedo que os demais e, por conseguinte, converteram-se na equipa dominante das redondezas. Desde os primórdios que se instituiu uma dinâmica de vitória, tanto nos praticantes como nos entusiastas adeptos. Aquando de um memorável jogo em Cetos, a freguesia esvaiu-se das suas gentes, uns a pé outros montados, só ficou quem não possuía capacidades ou meios para se deslocar ao local do encontro. Os visitados, influenciados pelos seus emigrantes brasileiros, reuniram uma equipa capaz de se bater com a da Gralheira e, segundo rezam as crónicas, para melhor levarem de vencida trataram de servir vinho, sem restrições, a todos os presentes. Os epicuristas não se fizeram rogados e, como raramente desfrutavam dos prazeres de Baco, deleitaram-se com abundantes libações que os deixaram meios ou completamente embriagados. Como se pode calcular o resultado foi desfavorável para os da Gralheira, pois pernas trôpegas e cabeça inebriada não deram para mais que uma derrota por cinco a um. Ainda assim, o desaire poderia ter sido maior se não tivessem convocado o “Grande de Felgueiras” que, sendo mais comedido na bebida e valendo-se da sua imponente estatura, impediu um resultado mais dilatado. O único tento dos visitantes foi obtido pelo “Necas”, que só se apercebeu do feito realizado quando se viu rodeado pelos companheiros, festejando efusivamente a marcação do golo.
Nos anos que se seguiram, a Gralheira manteve a hegemonia, de tal forma, que as suas vitórias deixaram de ser notícia. Quando perdia, então sim, era algo que dava brado e perdurava no tempo como uma efeméride que prestigiava quem a tinha alcançado. Ainda hoje, Antigos adversários recordam um resultado positivo ou um golo marcado, como momentos emblemáticos das suas amadoras carreiras.
Esta proeminência não é explicável apenas por critérios objectivos, fundamentados nas aptidões técnicas ou físicas dos seus jogadores. Embora alinhassem nas nossas fileiras elementos talentosos, como alguns jogadores sazonais filhos do êxodo rural, bem como outros fisicamente adestrados na rusticidade das lides do campo e sem os malefícios do fast-food, a verdadeira força deste grupo não residia no valor de cada indivíduo, mas no do companheiro que ombreava ao seu lado. A coesão na razão e no sentido comum, fortalecia o crer e a vontade que permitia levar de vencidos adversários formalmente mais aptos, mas que não possuíam a essência de uma mística colectiva.
Actualmente, o futebol bairrista está moribundo. É com tristeza nostálgica que denoto o abandono dos campos onde joguei. Cada um destes recintos devolve-me à memória uma panóplia de recordações inesquecíveis. A Gralheira já não é o que era, mas ainda permanece como ícone de um passado de acérrimos desafios, onde a técnica da força inflamava os ânimos da assistência que tanto exultava e aplaudia, como proferia impropérios e ameaças. A juventude tem outros interesses, proporcionados pela evolução económica e social das últimas décadas. Não está confinada ao espaço geográfico que ia pouco além da linha do horizonte. As múltiplas apelações desta nova realidade dispersam os objectivos e desagregam as vontades. A “bola”passou a ser um mero exercício lúdico, desapaixonado e sem alma, irreflexo da raça que concerne a identidade dos povos de Montemuro.
Vítor Silvestre
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