segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O Toledo



Quando os jovens entravam na adolescência e as hormonas fervilhavam no fulgor da puberdade, obedecendo ao instinto primário da transmissão dos genes que perpetuam a espécie, diziam que andavam com o “toledo”. Porque para aquelas almas formatadas no pudor e na vergonha, esquecidas dos sonhos da juventude, obedecer às leis da atração e do desejo era estar “atoleimado”. Qualquer laivo de erotismo ou de afeto amoroso era severamente reprimido por uma sociedade de moralidade arcaica, apregoada nos púlpitos por pregadores investidos a preceito na arte de reprimir pensamentos e atos libidinosos.
Por isso, compreende-se a reação do “Tem que Ser” quando a sua enteada Cidália, por preguiça e não por qualquer devaneio pueril, sentava-se nas tronchudas ao invés de apanhar as batatas que ele arrancava, ameaçava com o cabo da sachola e dizia irado:
- Apanha as batatas Cidália!...Tu parece que já queres machorro!
A juventude, debaixo da alçada paterna, era contida nos seus ímpetos lascivos, mas quando o “toledo” dava fora de tempo, o caso era mais sério e diziam resignados:
- O “toledo” dos velhos é pior que o dos novos…
De facto, quando algum viúvo tinha esperanças de refazer a sua vida conjugal, era recriminado por familiares que viam o património delapidar-se em partilhas, e por vizinhos de retrograda maledicência. Esta postura recriminatória continha as aspirações de alguns, mas outros não importavam com os demais e era vê-los rejuvenescer de forma quase miraculosa. Juntavam-se à rapaziada em brincadeiras e provas de força para, qual macho celibatário, mostrar a sua pujança e virilidade, a fim de atrair alguma solteira retardatária ou viúva solitária.
Um dos casos que mais alvoroço causou ma pacatez moral da Gralheira, foi o casamento do “Tiu António ” com a minha tia-avó Margarida. Ele viúvo sexagenário e ela solteirona de meia-idade. O romance terá começado a ganhar forma em Alvarenga, onde foram trabalhar na exploração de uma mina de Volfrâmio, mas foi quando o incumbiram de a levar para um convento que terá consumado as suas intenções.
O “Tiu Antonio” não degenerou da cepa dos “Rentes”, gente literata que tiveram padres sábios na família. Como tal, era homem letrado e instruído pela leitura dos alfarrábios dos seus antepassados, ao ponto de surpreender um grupo de médicos do Hospital de São João, onde estava internado. Quando se apercebeu da dúvida em atribuírem um determinado pensamento filosófico ao seu autor, tomou a palavra e disse:
- Se os senhores doutores dão licença… foi Sócrates!
Admirados com tão inesperada sabedoria, concordaram e afirmaram:
- É verdade!...O senhor é uma pessoa muito instruída.
Ao que o homem respondeu:
-Apenas o exame da terceira classe da instrução primária.
Fruto dessa clareza de espírito, deve ter achado que moça era mal empregue para noviça, estando ele necessitado de companhia e Cristo com os conventos a abarrotar de religiosas. 
Tudo se passou em segredo, sem levantar a menor suspeita. Apenas o meu avô “António” aquando dos preparativos para a “missa nova” do Padre Tobias, Irmão da Margarida e cunhado do meu avô, comentou com a minha avó:
- Ó Maria do Carmo, o “Tiu António” anda com o “toledo” para se casar…
Ao que ela, conhecedora do carater sério daquele “homem de respeito”, exclamou admirada:
-Pode lá ser!
-É como te digo, ele está com uma força medonha: quando eu disse que só levava duas tábuas, ele insistiu que lhe “botasse” seis; depois carregou a mesa de carvalho maciço das Morgadas, apenas tive que lha por às costas…
O assuntou morreu ali, mas as suspeitas do meu avô foram confirmadas quando o “tlau” foi à Granja do Tédo buscar a Margarida, que aí vivia com o irmão Tobias, por esta já não conseguir disfarçar os sinais de gravidez.
Quando a notícia chegou à Gralheira foi a fim do mundo na Barrugéla, os filhos do homem, de idades aproximadas à da madrasta, irromperam num pranto como se o caso fosse de morte.
Mais uma vez, o “Tui António” deu mostras da sua experiência sábia, não veio para a sua terra, foi para Alvarenga para dar tempo que o tempo serenasse os ânimos, só regressando a casa alguns meses depois.
Da união vingaram quatro rapazes, todos dignos de seu pai, em particular o Dr. Simão Botelho que vencendo o infortúnio da paraplegia tornou-se um catedrático em letras, num exemplo de vida reflexa da tenacidade herdade do progenitor que, contra a vontade instituída, ousou procurar a felicidade.
Abençoado “toledo”      
Vítor Silvestre

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