domingo, 10 de abril de 2011

Numa Austera, Apagada e Vil Tristeza!

Este é o epitáfio adequado ao estado mórbido em que se encontra o património histórico português. É inconcebível e inaceitável que um país com quase novecentos anos de história despreze de forma ignóbil o seu passado. Basta percorrermos os caminhos da nossa terra para nos apercebermos da negligência e da incúria a que as autoridades competentes devotaram uma parte substancial dos nossos monumentos. Muitos já não passam de ruínas; Outros parcialmente preservados, pois embora estejam restaurados, por norma, carecem de um enquadramento informativo adequado, quer pela falta de rigor de quem os tutela, quer pela insípida formação dos colaboradores que aí trabalham; Alguns foram convertidos em pousadas e hotéis que, embora existam exemplos de uma reabilitação bem preconizada, só ficam acessíveis a poucos, ficado a maioria privada de um legado que é de todos. É constrangedor ver a displicência com que se ignora potencial turístico das obras dos nossos antepassados. Inúmeras vezes, encontro as torres de menagem fechadas a cadeado, sem qualquer uso, como testemunhas estóicas da passada glória, em locais onde o castelo é o único ponto de interesse. Portugal, não é só Sol e praia, tem um património cultural e histórico riquíssimo que deve ser reabilitado, conservado e publicitado. De Espanha pode não vir bom vento nem bom casamento, mas sabem cuidar dos seus monumentos, promover a sua cultura e não esquecem a sua história.     
Esta indignação antiga foi acicatada após uma visita ao Forte da Graça, em Elvas. Enquanto deambulava pelos baluartes, revelins, casamatas e demais dependências da fortaleza senti-me vilipendiado com o seu estado de degradação. Os anos de abandono deixaram à mercê do tempo, do vandalismo e da pilhagem o ex-líbris da arquitectura militar do SEC. XVIII. Aforaram-me à memória as palavras de Sousa Viterbo, citadas por Rainer Daehnhardt no seu livro Homens Espadas e Tomates: “Onde estão as armaduras dos cavaleiros que assaltaram Ceuta, Arzila e Azamor? Que é das lanças e espadas dos que ajudaram Afonso de Albuquerque a conquistar Goa, Ormuz e Malaca? Que é dos mosquetes que derrubaram os batalhões holandeses nas batalhas de Guararapes?” São perguntas que por mais que queiramos escamotear com respostas estereotipadas, segundo o historiador citado, invocando: a pobreza, o terramoto de 1755, o domínio espanhol ou as invasões francesas, todas redundam na inconsciência e no desleixo. O problema está como interpretamos e aplicamos a palavra “velho”: Enquanto para outros significa respeito, estima e digno de ser preservado; Para nós é obsoleto, desnecessário e, assim, desprezamos a nossa identidade histórica.
Voltado ao forte Conde do lippe, como originalmente foi designado, o seu aspecto é avassalador. A estrutura maciça composta por três linhas de defesa, destacando-se no reduto central a casa do governador, conferem-lhe uma imponência sólida, inexpugnável que impunha respeito aos invasores. Idealizado por este diplomata e militar alemão incumbido, pelo Marques de Pombal, de reorganizar o exército português, foi erigido no alto do Monte da Senhora da Graça, local estratégico na defesa de Elvas. A cidade, no decurso da guerra da restauração, durante o cerco de 1659 foi fortemente flagelada pelas baterias espanholas aí instaladas. A guerra dos sete anos veio reiterar a necessidade de fortificar aquela posição elevada, de forma a estabelecer um bastião fronteiriço capaz de desencorajar as incursões inimigas. A sua construção foi iniciada no reinado de D. José, mas seria inaugurado no da sua filha Dna. Maria. Os trabalhos prolongaram-se durante trinta anos, envolvendo um total de trinta e dois mil homens e quatro mil animais, sendo o seu custo estimado em 769.199.039 reis. Sofreu dois cercos: em 1801, durante a guerra das laranjas e, em 1811, na guerra peninsular pelo general Soult, mas não passaram de vãs tentativas intimidatórias, limitando-se a acção a algum fogo de artilharia. Com a perda progressiva da sua importância estratégica, o Estado Novo converteu-o em presídio militar. O Forte de Elvas, como era conhecido, tornou-se um fantasma que assombrava as mentes dos magalas. Mesmo depois da sua desactivação, continuou enraizado ma memória colectiva como um símbolo de sevícias e de trabalho forçado, em que os presidiários eram obrigados a transportar toda a água necessária ao consumo da guarnição.
O Forte da Graça, o Forte de Santa Luzia e as fortificações da cidade, conferem a Elvas Um sistema de defesa ímpar em Portugal. Apenas Almeida, embora em menor escala, se assemelha a esta praça-forte que se converteu na sentinela vigilante da fronteira alentejana. É merecedora de uma demorada e atenta visita, onde cada pedra representa a vontade de um povo que, contrariando os desígnios da História, “desenrascou” a sua identidade e independência, legou o conhecimento do mar e deu “ novos mundos ao mundo”.   
                                                                                                                                           Nelo Montemuro.



                          
                           No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
                                   Destemperada e a voz enrouquecida,
                                   E não do canto, mas de ver que venho
                                   Cantar a gente surda e endurecida.
                                   O favor com que mais se acende o engenho
                                   Não no dá a pátria, não, que está metida
                                   No gosto da cobiça e da rudeza
                                   De uma austera, apagada e vil tristeza.
                                                                                      Lusíadas canto X

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