terça-feira, 18 de agosto de 2009

Nós somos da Gralheira!

“Nós somos da Gralheira”! Esta expressão, numa primeira análise, nada tem de extraordinário ou de anómalo. É a resposta a uma das perguntas basilares que estereotipam a interacção social. Seja com a intenção de substanciar uma relação ou contornar aqueles silêncios ocasionais, onde a falta de afinidade impede a fluência do diálogo, é comum questionar o nosso interlocutor sobre a procedência das suas origens. Mas, quando fazemos uma análise mais atenta, podemos estabelecer conotações de âmbito mais abrangente, que definem a génese das gentes e do lugar que sustentam esta afirmação.
Quando nos anos sessenta do século passado o inexorável êxodo rural redefiniu a demografia da nação, exaurindo o interior em prol das urbes cosmopolitas, estes novos citadinos eram denominados como provincianos, sendo o termo proferido de forma pejorativa e acintosa. Por esse motivo, não pelo pedantismo dos nossos dias, ao serem interpelados pelas suas raízes, por norma, indicavam a sua capital de Distrito, ou a sede de Concelho, mas os meus conterrâneos, em situação análoga, maioritariamente, referenciavam a sua aldeia e só posteriormente a enquadravam no mapa administrativo envolvente.
Este comportamento tão sui generis, embora já o tivesse notado e tecido alguns comentários a esse respeito, só recentemente, ao ser abordado numa reunião de amigos, reflecti sobre ele de forma mais atenta, na tentativa de explicar os fundamentos que lhe estão subjacentes. Após algum exercício de memória, fui conjugando as Histórias que me foram e vão sendo narradas pelos mais velhos, guardiões da memória colectiva. Dessa conjunção avulsa e algo desconexa, consegui estabelecer um denominador comum, indutor de uma linha de pensamento plausível de decifrar este enigma.
A Gralheira, povoação serrana como tantas outras, não é melhor nem pior que as demais, mas, sem dúvida, é diferente da maioria. Devido à sua situação geográfica, alcantilada no cume da serra de Montemuro, a sua posição assemelha-se a um vértice onde confluem os limites de três concelhos e de várias freguesias. Como tal, converteu-se numa rota no trânsito de pessoas e mercadorias. Este intercâmbio, aliado ao abnegado espírito comunitário, trouxe-lhe desenvolvimento e notoriedade, ao ponto, de pessoas de lugares vizinhos, mais ignotos, se identificarem como sendo seus naturais. Mas, mais do que isso, penso que esta conjuntura fomentou, naqueles espíritos agrestes, outros objectivos que vão além das suas preocupações primárias. Porque a evolução de um povo não se afere só pelas infra-estruturas que lhes proporcionam índices de comodidade e de conforto, mas também pelos seus interesses culturais e, na Gralheira, desde a música ao folclore, sempre existiram. Estes factores diferenciadores induziram um orgulho genético, denotado na afeição incondicional que devotam à sua terra e reflexo na peculiaridade das suas atitudes.
Actualmente, as aldeias já não são o que eram, perderam a natureza endócrina que lhes conferia aquele aspecto rústico e bucólico. Os vectores de uma cultura globalizante fazem-se sentir mesmo nas comunidades mais remotas. As normas de conduta e os códigos de valores são pautados pela evolução tecnológica e veiculados pelos meios de informação. O conceito de identidade e o sentido de pertença são cada vez mais abrangentes numa Europa unificada. Esbatem-se os elos comunitários numa sociedade em que o individual se sobrepõe ao colectivo. Mas, meus caros concidadãos e amigos, apesar desta nova realidade, ainda creio, que se vos perguntarem de onde são, responderão com aquele orgulho serrano, tão inabalável como o granito dos penedos: “ Nós somos da Gralheira”!
Vitor Silvestre

2 comentários:

  1. Belo post. De facto, ser da Gralheira, mesmo não o sendo por naturalidade, é uma condição de pertença ontológica única, porventura indizível. A identidade passa para além do apego às gentes(mortas ou vivas), para lá da adesão voluntária ou involuntária aos hábitos e costumes. Essa identidade é, na sua essência, telúrica. Por isso, como afirma o Nelo, à pergunta "donde és?", a resposta "sou da Gralheira" só pode ser acompanhada daquele "orgulho serrano, tão inabalável como o granito dos penedos"
    Parabéns Nelo.
    Carlitos, filho do Demo

    ResponderEliminar
  2. Olá. sempre ouvi falar desta linda terra, pelo meu grande amigo Vitor Silvestre, todas as historias e o orgulho de ser "filho da Gralheira".
    A ele envio um grande e forte abraço e na esperança de um dia nos voltarmos a encontrar para uma daquelas boas conversas!
    Mónica Alves

    ResponderEliminar