“O meu home nunca me viu nua”!... Nesta frase, orgulhosamente proferida, está implícita a forma como a sexualidade era vivenciada por algumas almas da Gralheira, moldadas por uma cultura cristã conservadora, incapazes de inferir que se trata de algo tão natural como o acto de respirar. Neste contexto, o sexo só é admitido no casamento, debaixo dos auspícios divinos e tendo como única finalidade a procriação; Sendo banidas todas as alusões à luxúria, à lascívia e ao erotismo, em especial nas mulheres que se queriam castas e puras nos pensamentos e nos desejos. Só assim, é compreensível a frase supracitada, pois se ao fim de uma vida em comum a nudez é assunto tabu, podemos alvitrar que as aberturas frontais das ceroulas não serviam apenas para micções.
As leis do atração e do desejo eram muito díspares das atuais. O planeamento das uniões era influenciado por padrões mais pragmáticos que, ainda hoje, remanescem dos estereótipos de beleza de alguns.
-Aquela mulher é um “Pancadão”!..
Esta expressão define uma senhora de aspeto másculo, robusta de peito, bem provida de carnes e pilosidades. Só alguém com estas características dava garantias de se converter numa companheira válida para a lida árdua do campo e de gerar uma prole numerosa que permitisse suprir as necessidades dos progenitores na velhice. A força da forma sobrepunha-se à essência do intelecto e aos conceitos estéticos. Os alimentos não estavam ao alcance de uma prateleira de hipermercado, tinham de ser extraídos da terra por mãos calejadas, ”cruzes” doridas e fronte suada. A libido era condicionada pelas necessidades de uma subsistência paupérrima pouco propensa a laivos de romantismo. As modelos anoréticas e os metrosexuais imberbes, integralmente depilados e de aspeto efeminado não seriam muito pretendidos em detrimento do perfil Neandertal.
Mas, por mais racionais que fossem as intenções, a sexualidade obedece a instintos primários que vão para além das razões objectivas e das leis humanas ou divinas. Nem o fervor religioso dos pregadores que apregoavam o inferno como castigo supremo, nem o moralismo encapotado da sociedade continha os impulsos libidinosos daquelas gentes. Mesmo das beatas celibatárias, que elegiam a religião como objectivo de vida, seriam poucas as que o faziam por convicção de fé e não por razões de natureza mais mundana. Não eram invulgares os “casamentos de capucho”, realizados ao toque das trindades, para esconder a vergonha de uma gravidez pré-nupcial. Existia também uma quota-parte de filhos ilegítimos, fruto de infidelidades e mancebias e “as quintas-feiras em Lamego”, onde algumas meretrizes, pouco predicadas, ofereciam os seus préstimos sem olhar à classe ou condição do freguês. Disso fazendo prova a história passada com o “Peixe”:
Na feira semanal de Lamego, estava o “Peixe” a “matar o bicho” numa taberna, quando irrompeu pela porta um “canhão”de formas avantajadas, com um frontispício émulo do Mafarrico e disse ao taberneiro:
- Dá-me meio quartilho de aguardente!.. Mas só pago no final da feira.
O tasqueiro, conhecedor do ofício da cliente, olhou na direção do “Peixe” e retorquiu:
- Não será preciso ficar fiado, está ali aquele que te dá já vinte e cinco tostões.
- Só!... Então é sempre ao preço antigo… tem que ser pelo menos cinco escudos.
Este diálogo travava-se como se o hipotético freguês, que se fingia alheado, não fosse dado nem achado no assunto. O camafeu, depois de discutir o preço com a interposta pessoa, rematou o negócio de modo conclusivo:
-Bem…vamos lá então pelos cinco escudos!
O “Peixe”, encarando-a fixamente, vociferou:
- Ò mulher do diabo, desapareça da minha vista!
E saiu porta fora sem dar mais cavaco.
No final da tarde estava a relatar o sucedido a alguns conterrâneos, quando avistou a abantesma perto do local onde se encontravam e exclamou:
- Olhai!... É aquela que ali vem.
Entre os presentes estava o “Rato” da Panchorra que se esgueirou sub-repticiamente, acercou-se da mulher e, apontando no sentido do grupo, sussurrou-lhe ao ouvido:
- Está ali o da taverna, vá lá agora que ele vai pelos cinco escudos.
A saída do “Rato” não tinha sido notada. Por isso, qual não é o espanto do “Peixe”quando vê aquela “balhorda” vir direita a ele de “tacha arreganhada”. Sem hesitar, fazendo um gesto imperativo, apontou o indicador para os confins da feira e atirou-lhe de chofre:
- Mundo!...Mundo!...
O “pecado da carne”, catalogado como um dos inimigos da alma, é apelativo, natural e endógeno. Por mais que se tente extirpa-lo com condicionalismos morais e teologias obsoletas que transformam o sexo num acto mecânico, insípido, assético e desprovido do desejo que caracteriza a nossa condição animal, os resultados são apenas ilusórios. Pois se Deus não fosse omnisciente e, pautando as suas decisões pela cabeça dos teólogos, não tivesse adicionado prazer ao processo concetivo, a espécie estava condenada à extinção.
Convenhamos, se não fosse também pelo deleite carnal, quem é que, atualmente, se metia nisto de ter filhos?...
Vitor Silvestre.
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